
O terceiro e último dia do MECI — Mercado de Cinema Independente, dentro da programação do 14º Olhar de Cinema, ampliou ainda mais o escopo das discussões, levando o público a refletir tanto sobre os desafios da exibição em diferentes contextos quanto sobre o uso estratégico de dados em toda a cadeia produtiva do audiovisual. Abaixo, você confere os destaques dos dois painéis acompanhados pelo CineOrna na Sala Claro no Museu Oscar Niemeyer.
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Painel “Cinemas De Diferentes Portes”

O primeiro painel do dia, “Cinemas De Diferentes Portes E Modelos De Negócios”, reuniu Adriana Rattes, exibidora do Grupo Estação (RJ), e Jack Silva, da Movieland (AM), com mediação de Juliana Flores, do Cine Passeio (PR). A mesa foi um retrato direto, e por vezes duro, do estado atual do mercado de exibição no Brasil (um elo primordial na cadeia do audiovisual). Entre o centro e a periferia, o Sul e o Norte, ficou claro que exibir cinema hoje vai muito além de projetar um filme: é um ato de resistência, de sobrevivência econômica e de vocação cultural.
Adriana trouxe a perspectiva dos grandes centros urbanos e apontou que o maior obstáculo não é manter as salas ativas, mas sim criar novas. Falta incentivo, falta política pública e sobra responsabilidade nas mãos dos exibidores. “Nossa maior receita vem dos nossos outros serviços”, disse, ao relatar a independência (e a pressão) financeira do Grupo Estação. Para ela, reconquistar o público e tornar a ida ao cinema uma experiência integrada é o grande desafio do momento.
Jack, por outro lado, compartilhou sua realidade no interior do Amazonas, onde os custos de operação são gigantescos e os apoios praticamente inexistem. “Sem o nosso cinema, muitos precisam viajar horas até Manaus”, lembrou. Ele enfatizou o papel social dos cinemas no interior, como pontos de cultura, lazer, saúde mental e economia local. “O último projetor que comprei custou 500 mil reais, via Lei Paulo Gustavo. E ainda assim, sobrevivemos mais na esperança do que no apoio.”

Todos no palco concordaram que a formação de plateia ainda recai quase exclusivamente sobre os exibidores. Sessões gratuitas que não lotam, crianças que nunca foram ao cinema e que não aguentam ficas 1h40m assistindo um filme, ausência de campanhas de comunicação e políticas mal articuladas foram apenas algumas das dificuldades apontadas. Adriana foi direta: “A cota de tela não enche sala. Precisamos de campanhas, de comunicação, de política de preços.” Jack reforçou: “Não adianta produzir se não conseguimos exibir. O circuito exibidor está em quase colapso e, sem ele, a cadeia não se sustenta.”
Painel “O Uso De Dados Na Produção E Promoção”

O segundo painel, “O Uso De Dados Na Produção E Promoção De Projetos Audiovisuais”, propôs uma discussão estratégica sobre como os dados vêm moldando as decisões em todas as etapas da cadeia audiovisual. Com falas de Luíza Troina, da Maria Farinha Films, e Daniela Midori, da Tomun (ex-Zordon Analytics), e mediação de Viviane Zangrossi, da Gullane, a conversa girou em torno da difícil equação entre criatividade, público e viabilidade comercial.
Para Daniela, os dados revelam muito mais do que preferências óbvias: eles ajudam a mapear novas oportunidades e perfis sub-representados. Ela citou o exemplo do sucesso dos doramas no Brasil, que revelaram uma audiência antes invisível aos olhos do mercado tradicional. Já Luíza destacou que, para além da análise fria, é preciso uma leitura humana e criativa: “Os dados indicam caminhos, mas quem escolhe é a sensibilidade do produtor.”
Ambas reforçaram que, num cenário de crise, os dados são fundamentais para pensar formatos, estratégias de distribuição e até mesmo o tom narrativo de um projeto. Mas alertaram: não se trata de seguir tendências cegamente, e sim de saber como usar os dados sem perder o propósito da obra. “Os dados não substituem uma boa história. Eles ajudam a fazer essa história chegar onde ela precisa chegar”, resumiu Daniela.

Também foi discutida a importância de pensar os projetos desde a origem com um olhar multijanelas: cinema, TV aberta, streaming e redes sociais formam hoje um ecossistema interligado, e cada plataforma tem sua lógica e seu público. Luíza lembrou que documentários, por exemplo, enfrentam mais dificuldade no circuito tradicional, mas podem se beneficiar de parcerias com influenciadores e espaços de educação, como no caso do projeto “Brasil Antes de 1500“.
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Um dos trechos mais ricos do debate surgiu quando a mediadora provocou: “O Brasil gosta mesmo de drama, ou estamos subestimando o apetite do público por gêneros como ação, aventura e terror?” Daniela respondeu que, ao analisar os gêneros com maior audiência no cinema, os dados apontam para a força da animação, da ação, da aventura, do terror e da biografia, gêneros que mexem com o público, geram movimentação e têm apelo comercial. Luíza complementou dizendo que o público de terror é um dos mais engajados e cinéfilos, e que há uma oportunidade clara de investir mais nesse gênero no Brasil. “A gente já entendeu que existe essa audiência, e ela quer ser atendida. O terror é um ótimo laboratório narrativo, e pode gerar aprendizados valiosos para outras produções.”
Ao final, ficou evidente que o uso de dados no audiovisual não é uma ameaça à criatividade, mas sim uma aliada estratégica na construção de histórias mais potentes, sustentáveis e com real possibilidade de alcançar seu público.
Obrigado MECI

E hoje chegou ao fim minha cobertura do MECI — Mercado de Cinema Independente, que integrou a programação do 14º Olhar de Cinema. Que privilégio foi acompanhar de perto esses três dias intensos de trocas e aprendizados no MON.
O cinema sempre foi minha grande paixão. Mas algo que sempre me inquietou, desde os cursos até a pós-graduação, é como muitas vezes deixamos de enxergar o filme também como um produto, um produto artístico, sim, mas que exige estratégia, planejamento e uma visão de mercado. E quando falamos de cinema independente no Brasil, isso se torna ainda mais desafiador.
Eventos como o MECI e o próprio Olhar de Cinema são fundamentais por justamente colocarem esse debate em pauta. São espaços que promovem conexões reais, troca de experiências e aprendizados que precisamos aplicar no dia a dia da nossa indústria.
No palco da Sala Claro, passaram dezenas de agentes da cadeia audiovisual, municipal, estadual e nacional, e se existe uma expressão que resume todas essas falas é: fortalecimento do ecossistema. Em cada painel, ficou evidente o esforço por estruturar, sustentar e garantir a pluralidade de vozes do audiovisual brasileiro. Não basta termos uma produção potente se a distribuição e a exibição ainda são gargalos. Precisamos de políticas públicas que pensem toda a cadeia: formação de plateia, formação de profissionais, fomento contínuo e políticas de longo prazo.
Saio desse evento com a cabeça fervilhando de ideias e reflexões. E já estou ansioso pelo MECI 2, em 2026!