
No coração do Museu Oscar Niemeyer (MON), em Curitiba, nasceu neste 16 de junho um novo capítulo para o audiovisual brasileiro. A primeira edição do MECI – Mercado do Cinema Independente, integrada à programação do 14º Olhar de Cinema, chegou não apenas como uma novidade na agenda do Festival, mas como um marco fundamental para quem acredita no potencial pulsante da indústria cinematográfica nacional. Em um país onde o cinema luta, historicamente, por visibilidade e sustentabilidade, a criação de um espaço de mercado como o MECI sinaliza um novo tempo, de articulação, de profissionalização e de conexão.
O MECI não é apenas um evento com painéis e pitchings. É um gesto político, cultural e estratégico. Reunindo realizadores, distribuidores, exibidores, plataformas de streaming, canais e agentes de fomento em um mesmo ambiente, favorecendo encontros que podem impulsionar projetos e consolidar trajetórias. O objetivo é claro: fazer com que o cinema brasileiro, diverso em suas formas e vozes, não apenas exista, mas circule, seja visto, comprado, debatido, transformado em potência econômica, simbólica e finalmente se transformando em uma industria concreta.
Painel “Fomento Audiovisual”

E foi com esse espírito que começou o primeiro painel da manhã, intitulado “Fomento Audiovisual”. Com mediação de Mirele Camargo, diretora do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS-PR), o encontro histórico reuniu representantes das três esferas de poder, federal, estadual e municipal, numa conversa de altíssimo nível sobre o presente e o futuro das políticas públicas para o setor audiovisual. Participaram Joelma Gonzaga, Diretora do Departamento de Políticas Audiovisuais da Secretaria do Audiovisual (MinC), Luciana Casagrande Pereira, Secretária de Cultura do Estado do Paraná, e Marino Galvão Jr., Secretário Municipal de Cultura de Curitiba (FCC).
Joelma apresentou os principais programas da Secretaria do Audiovisual – Ministério da Cultura para o setor, com destaque para os editais de comercialização e o programa Arranjos Regionais, que soma R$ 300 milhões destinados à dinamização do mercado em todas as regiões do país. Segundo ela, o objetivo da atual gestão é resgatar a centralidade do audiovisual na economia criativa, fortalecendo sua cadeia produtiva desde o desenvolvimento até a exibição. Também anunciou o lançamento de uma rede nacional de arquivos e acervos audiovisuais, plataforma Tela Brasil, reforçando a ideia de uma visão integrada que conecta memória e futuro.
Luciana, por sua vez, sublinhou a importância da articulação entre os entes federados. Citou como exemplo concreto a suplementação de recursos estaduais para completar os valores dos editais federais, permitindo a chegada de R$ 7 milhões adicionais no Paraná além dos R$ 30 milhões originalmente previstos. Essa colaboração direta entre as esferas demonstra como o fomento pode ser mais eficiente quando há diálogo e corresponsabilidade. Também destacou o papel das Film Commissions, tanto estaduais quanto municipais, como ferramentas estratégicas para atrair produções e gerar emprego local.
Marino completou a conversa destacando que a construção de uma indústria forte exige continuidade e presença nos territórios. “O mundo está de olho no audiovisual do Brasil”, afirmou, mencionando o recente destaque de produções brasileiras em premiações internacionais.

Um ponto de destaque do painel foi a menção sobre a regulamentação do VOD, já aprovado pelo Senado, um projeto em análise na Câmara, que obriga as empresas que oferecem os serviços de Vídeo Sob Demanda (VOD) a recolher a contribuição para o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional, Condecine. Trata-se de um tributo destinado ao fomento do cinema e do audiovisual nacionais. A proposta regulamenta os serviços de streaming, como a Netflix, por exemplo, de uma forma geral.
O texto mais avançado é da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Como relatora da proposta de regulamentação do VOD, Jandira tem sido uma das principais vozes na articulação de uma nova legislação que garanta a presença de conteúdos brasileiros nessas plataformas e sua contribuição para o financiamento do setor. Segundo Joelma, essa regulação será fundamental para que o cinema nacional continue a crescer e se diversificar, e seria importante a aprovação da mesma ainda esse ano.
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A sensação ao sair do painel foi de otimismo, mas também de responsabilidade. As ferramentas estão sendo colocadas à disposição. Cabe agora aos realizadores, profissionais e agentes da cultura, saber como utilizá-las para construir uma indústria audiovisual mais inclusiva, forte e sustentável.
Painel: “Produção e Desenvolvimento de Conteúdo”

O segundo painel da manhã no primeiro dia do MECI – intitulado “Produção e desenvolvimento de conteúdo: Fatores de impacto na distribuição e performance de produtos audiovisuais”, reuniu nomes importantes do setor para debater um tema central: como as escolhas criativas e estratégicas nas fases iniciais de um projeto audiovisual influenciam diretamente seu desempenho nas janelas de exibição, tanto comerciais quanto alternativas. A conversa, mediada por Lorayne Mendes, produtora da Grafo Audiovisual, reuniu João Saldanha (Vitrine Filmes), Cristiano Lima (The Walt Disney Company), Adrien Muselet (Paris Entretenimento) e Sueli Tanaka (O2 Filmes).
Cristiano Lima, gerente de conteúdo da Disney, compartilhou um olhar técnico e estratégico sobre a relação entre curadoria, desenvolvimento e distribuição. Destacou a importância do refinamento de cada projeto, desde a concepção até o produto final. Segundo ele, cada obra precisa ter clareza de público, propósito e talento envolvido, sobretudo quando se propõe a complementar uma oferta de conteúdo já consolidada. Cristiano também ressaltou como o avanço da tecnologia democratizou o acesso à produção, tornando o processo mais acessível e, ao mesmo tempo, desafiador. “Hoje há mais informação e mais meios, mas também mais ruído. Precisamos entender que cada projeto tem seu público, e produzir pensando neles, não no que será somente ‘sucesso’.” Ele ainda destacou como a métrica de sucesso mudou: “As séries não precisam mais ter 12 episódios, ou mesmo seguir um padrão fixo de duração. Estamos testando formatos novos e nosso conteúdo tem viajado com mais força do que nunca.” É uma indústria que só evolui quando cada projeto aprende com o anterior.
João Saldanha, da Vitrine Filmes, trouxe uma fala que costurou a realidade do cinema independente com os desafios de desenvolvimento e exibição. Ele destacou que o desenvolvimento de projetos no Brasil ainda depende fortemente de fomentos públicos, e que um dos maiores gargalos é o “empacotamento” do projeto: é preciso apresentar um conjunto coeso de talentos, proposta narrativa e plano de distribuição desde o início. João reforçou que a experiência cinematográfica também precisa ser repensada: o que leva alguém a sair de casa para ir ao cinema? “A ida ao cinema precisa ir além do filme. É o debate pós-sessão, a ação promocional, o encontro com o elenco. Tudo isso amplia o impacto da obra.” Para ele, medir o sucesso apenas pela renda bruta nas salas já é uma lógica ultrapassada. “Muitos dos filmes que distribuímos performam melhor em plataformas VOD ou em janelas alternativas, acessando públicos que não estão indo às salas comerciais.”
Adrien Muselet, diretor de conteúdo da Paris Entretenimento, compartilhou a perspectiva de quem avalia dezenas de projetos por semana. Segundo ele, as perguntas centrais para qualquer nova proposta são: existe um público mínimo? É possível explicar claramente do que se trata? E, mais importante, essa história pode ser muito boa? Adrien citou o caso do filme “Homem com H“, que passou por 17 tratamentos de roteiro até atingir o ponto ideal para ser produzido. Também refletiu sobre a crescente dificuldade de atrair o público para os cinemas. “Hoje, para tirar alguém de casa, você precisa prometer uma experiência real. Não é só o filme — é o que ele representa.” Para ele, projetos bem desenvolvidos transmitem mais segurança para investidores e aumentam as chances de sucesso.
Sueli Tanaka, da O2 Filmes, trouxe a mesa um depoimento poderoso sobre a força da criatividade e da persistência no cinema independente. Ela lembrou que, mesmo com poucos recursos, é possível realizar filmes relevantes, desde que se tenha um bom conceito, equipe comprometida e clareza artística. “Se a Disney leva dois anos para concluir um projeto, nós temos uma animação que levou 12″. O importante é manter sua essência, mesmo após tantas mudanças. Sueli defendeu o uso da criatividade não apenas na produção, mas também no lançamento, e reforçou que é essencial “segurar a própria essência”, mesmo em meio às exigências de um mercado em constante mutação. Para ela, dividir responsabilidades entre produtores, distribuidores e exibidores é um caminho possível para um ecossistema saudável e sustentável.

O painel ainda contou com perguntas da plateia, que chamaram atenção para o gap entre produção e exibição. Muitos produtores desconhecem espaços de exibição, ou ate mesmo eventos do mercado de distribuição e exibição como o Show de Inverno de Campos de Jordão (promovido pela EspaçoZ), e há uma clara deficiência no diálogo entre quem cria, quem distribui e quem exibe (isso aqui me deu o start para criar um artigo sobre esse tema que sempre foi um questionário pra mim!).
Tanaka respondeu um pouco sobre essa conexão com as salas de cinemas, destacando que várias salas estão em recuperação ainda, após os anos da pandemia. Muitos falam, “agora não posso colocar, está vindo esse filme X” e o que acaba ficando com os filmes mais independentes são os horários que não favorecem a ida ao cinema.
Saldanha reforçou que a política pública precisa se reestruturar também para pensar o desenvolvimento orientado para outras janelas, e que nem todo projeto precisa, ou deve, ter o cinema como destino final.
Foi um painel intenso, cheio de provocações e caminhos possíveis. Em meio às falas, ficou claro que a indústria precisa, sim, de um sistema mais interligado entre produção, distribuição e exibição, mas também que não há uma fórmula única. Cada obra, cada público, cada plataforma têm dinâmicas próprias. E é aí que reside tanto o desafio quanto a potência do audiovisual brasileiro.
Por aqui estamos empolgado para o que virá amanhã, no segundo dia do MECI! Confira um pouco mais a nossa cobertura nas nossas redes sociais.
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