Não lembro ao certo quando/qual fora meu primeiro contato com o thriller movie. Talvez David Fincher tenha sido o diretor que me apresentou tal estilo de Cinema. “Seven” e, depois, “Clube da Luta” são às referências que me vem à cabeça quando penso na minha iniciação cinéfila. E foram tais experiências responsáveis pelo meu confronto com o Cinema (do que apenas a experiência de assistir a um bom filme) até então. Aliás, é curioso lembrar de “Seven” após uma sessão como a de “The Rover: A Caçada”, porque mesmo com premissas bastante distintas, ambos compartilham dum mesmo sentimento da problemática do homem à mercê de si próprio; além duma verossimilhança estética autoral dentro de seus universos interpessoais.
“Fear the Man With Nothing Left to Lose”, é a frase estampada no cartaz do filme de David Michôd. Facilmente poderíamos remetê-la a qualquer thriller de ação protagonizado por Jason Statham, entretanto, no imaginário de Michôd o sentido está para além de uma verborragia de efeito comercial. Estamos, de fato, diante de um filme que teme a condição de seu protagonista -e não ele. A fábula em forma de antítese climática do (sub)gênero post-apocalyptic, num futuro distópico à lá Mad Max geografado no outback australiano, funciona como um estudo visual como parte de uma narrativa (des)propositalmente disfuncional de um (anti)herói marcado pela resistência a anomia e ao retrocesso da civilização. Resistência, essa, por que no microcosmo da trama não existe espaço para a moral ou reflexão dela. Dez anos se passaram naquela geografia, e não existe explicação para o que ali se sucedeu (talvez, até, porque não exista, para Michôd, um sentido para a violência intrínseca ao homem). Não há um Estado. A posição da mulher nessa sociedade é omissa; e se ela se encontra ali é apenas como um reflexo simbólico à desumanização do homem. O rosto de Guy Pearce é uma cápsula de sentimentos reprimidos, e a violência que ele toma como senso elusivo da sobreposição do opressor vs oprimido, mais forte vs mais fraco, serve tanto como um retrato da dilaceração da convivência em sociedade, quanto um olhar pulsante para a individualidade do homem nesse mesmo contexto.
Ao assumir a violência como forma subversiva daquele mesmo discurso de “O Estranho sem Nome“, de Clint Eastwood (e aí a visão de “The Rover: A Caçada” como um western pós-moderno/futurístico), qual propunha um efeito narrativo catártico sob a violência explícita do rosto enigmático de seu protagonista, ainda que menos inteligível na estrutura narrativa que o clássico de Eastwood, Michôd e Pearce, assim como Robert Pattinson (que assume a missão da persona do road movie que desestabiliza o emocional do herói incompreendido), desmistificam o consenso da imagem didática ao pôr em primeiro plano uma trama que sugere ao espectador um campo cinematográfico convencional, ao mesmo tempo que o confronta com a hostilidade da dissolução visual e o transforma em arquétipo do jogo de cena fragmentado ao tempo daqueles personagens tão poderosamente personificados.
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