No minuto em que ouvi os primeiros rumores acerca da produção de “A Garota Dinamarquesa” (“The Danish Girl”), mal podia me conter para sua estreia em 2016 (no Brasil). Interessada que sou em estudos de gênero e pela teoria queer (meu recente foco), ver a história de Lili Elbe, mulher trans que se engajou em autoafirmar a sua identidade ainda nos anos de 1920 e que tomou a decisão de realizar uma das primeiras cirurgias de transgenitalização (a ser mundialmente registrada) no começo dos anos 1930, seria algo extremamente inspirador e positivo neste momento, academicamente falando. Mas, assim como nas concepções acerca do gênero, há complexidades instigantes que rondam o filme e, para a minha surpresa, uma delas foi a representação do relacionamento entre Lili e sua esposa (que conheceu quando ainda era Einer), Gerda Weneger.
Desde o início, vemos grande cumplicidade entre Einer e Gerda Weneger (interpretados por Eddie Redmayne e Alicia Vikander, respectivamente). Ambos pintores e estabelecidos em Copenhague, costumavam dividir todas as inquietudes da vida, vitórias e dificuldades da profissão – embora Einer ainda tivesse mais notoriedade que Gerda, na época. Certo dia, necessitando de uma modelo que ocupasse o lugar de sua amiga Ulla (Amber Heard), Gerda propôs a Einer que se vestisse com roupas femininas, a fim de que pudesse terminar um retrato. É naquele momento em que se nota, visivelmente, o desabrochar de Lili.
É fato que, antes da cena acima descrita, há referências nas falas de Gerda que remetem à potencial existência de uma identificação como mulher na figura de Einer. Conforme a personalidade de Lili vai se desenvolvendo, vemos na descrição de suas reminiscências (quando ainda era tratada como homem), desde sua infância e juventude, a vontade de registrar e autoafirmar em si o feminino.
O turbilhão de emoções que surge daí para frente é inesgotável. Tom Hopper (diretor) merece congratulações pela sensibilidade com a qual retratou a história de Lili e Gerda, sensibilidade esta que jamais teria emergido sem a obra de David Ebershoff e sem a construção narrativa de Lucinda Coxon (roteirista). Eddie Redmayne e Alicia Vikander estão esplêndidos e a sincronia entre suas representações é algo que, definitivamente, deverá ser lembrado eternamente, principalmente depois que o personagem de Hans Axgil (Matthias Schoenaerts) é introduzido na trama como o liame entre o passado e o presente de Lili (e de Gerda).
Sem dúvida, uma das grandes preocupações trazidas pelo filme é a necessidade de discussão a respeito da patologização da transexualidade. Lili tentava tão desesperadamente se encaixar no sapato de uma singular categoria de mulheridade que jamais cogitou priorizar sua integridade física em detrimento do padrão que buscava – um misto de vontade advinda de sua esfera subjetiva com a pressão das normas imputadas socialmente. E, não raro, isto acontece cotidianamente com pessoas transgêneras e/ou que fogem à heteronormatividade, principalmente pelo seu desconhecimento (e dos seus entes mais próximos) acerca do tema.
A reflexão sobre como os padrões binários de gênero, aos quais devemos nos afiliar, nos afetam estruturalmente, talvez seja uma das maiores contribuições trazidas por “A Garota Dinamarquesa”. E a conclusão certeira que tiramos é a de que Lili Elbe e Gerda Weneger foram mulheres incríveis.
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