Um conto de fantasia que aposta no sensível e no artesanal

A Lenda de Ochi” é uma daquelas produções que surgem de forma discreta, mas rapidamente capturam o olhar de quem aprecia o cinema como arte visual e emocional. Estreia de Isaiah Saxon na direção de longas, o filme é uma coprodução da A24 com forte apelo estético e sensorial, algo que, por si só, já o coloca em uma prateleira diferenciada.

Saxon, conhecido por seu trabalho como diretor de videoclipes, já trabalho com artistas como Björk, Panda Gear e Grizzly Bear, agora mergulha em um universo próprio. Com um estilo que rejeita o excesso de efeitos digitais em favor de animatrônicos, texturas reais e uma fotografia bucólica, o diretor nos apresenta um mundo de fantasia que se comunica mais pelas imagens do que pelas palavras. Há aqui um resgate do cinema como expressão visual pura, que lembra o espírito de filmes como “O Cristal Encantado” (1982) ou até mesmo “A Viagem de Chihiro” (2001), pela maneira como o desconhecido e o místico são tratados com reverência e silêncio.

Uma fábula sobre pertencimento e empatia

A história acompanha Yuri uma jovem que vive em um reino dividido entre humanos e criaturas míticas. Mas tudo muda quando ela encontra um filhote de Ochi ferido e decide ajudá-lo. Enquanto tenta levá-lo de volta para casa, descobre que o verdadeiro perigo pode não ser os Ochi, mas os segredos que cercam sua vila. O encontro com um desses seres transforma sua jornada em uma metáfora sobre amadurecimento, confiança e convivência entre o diferente.

O roteiro é minimalista, intencionalmente mais contemplativo do que expositivo. Isso pode ser visto como um mérito ou uma barreira, dependendo do espectador. Quem espera uma narrativa linear e repleta de explicações pode se frustrar. No entanto, aqueles que embarcam no ritmo do filme encontram um universo delicado, cheio de camadas simbólicas e emocionais.

Um visual que inspira e encanta

O maior trunfo de “A Lenda de Ochi” está, sem dúvidas, em sua estética. A direção de arte é um espetáculo à parte, com cenários construídos com atenção a cada detalhe, iluminação naturalista e figurinos que equilibram o real e o fantástico. É uma obra que convida o olhar a explorar e o coração a se deixar levar por pequenos gestos, sons da natureza e silêncios significativos. A trilha sonora, reforça a atmosfera de encantamento, funcionando quase como uma extensão da própria floresta.

Destaca-se também a atuação de Helena Zengel, que interpreta com força e fragilidade na medida certa. Sua entrega silenciosa sustenta a maior parte da narrativa e faz com que o público consiga sentir o medo, a curiosidade e a transformação da personagem ao longo do filme.

Nem tudo é magia: limitações de roteiro e ritmo

Por mais encantador que o universo criado por Saxon seja, nem tudo funciona com a mesma potência. O roteiro apresenta lacunas narrativas que enfraquecem certos arcos dramáticos, e o ritmo, por vezes contemplativo demais, pode afastar espectadores que buscam uma experiência mais dinâmica.

Uma obra com alma — e espaço para crescer

A Lenda de Ochi” não é um filme para todos os públicos, e isso está longe de ser um defeito. É uma obra que se permite ser diferente, que aposta no sensível, no visual e na quietude como forma de narrativa. Não tenta agradar por atalhos ou clichês fáceis. Ao contrário: exige envolvimento, sensibilidade e paciência. E ao fim, recompensa quem estiver disposto a se abrir para um cinema mais sensorial.

Isaiah Saxon entrega um primeiro longa autoral, com identidade e alma, que pode ainda não ter encontrado o equilíbrio ideal entre forma e conteúdo, mas que revela um olhar promissor, um novo contador de histórias que merece ser acompanhado.

Nota CineOrna: ⭐⭐⭐☆☆ (3/5)
Indicado para: amantes do cinema autoral, fãs de fantasia contemplativa e quem busca experiências visuais marcantes e emocionais. Ideal para quem se encantou com “O Labirinto do Fauno“, “Onde Vivem os Monstros” ou “A Viagem de Chihiro“.