Era uma vez Antoine de Saint-Exupery, um francês aviador e sonhador que escreveu, há mais de setenta anos, uma fábula singela, mas de coração grande. Com suas fortes frases metafóricas e aquarelas “pouco sedutoras” (afinal, o autor fora “desencorajado, aos seis anos,” de sua carreira de pintor), “O Pequeno Príncipe” desta vez ganhou uma adaptação cinematográfica pra lá de caprichada e tomando a liberdade de contar uma história paralela que, entre seus acertos, infelizmente se esquece do essencial para a obra.
Como não se esquecer do que é ser criança? Essa é uma das grandes perguntas que circundam a adaptação dirigida por Mark Osborne (“Kung Fu Panda”) com roteiro de Irena Brignull (“Os Boxtrolls“) e Bob Persichetti (animador em vários títulos da Disney e da Dreamworks), que tratam de tornar sua fábula criada em algo tão atemporal e sem limite de faixa etária, igual ao seu material-base. De fato, tendo assistido ao filme numa pré-estreia com várias famílias, eram os adultos lá na sala que estavam mais emocionados, e isso tem um motivo.
Tudo porque, desde cedo, somos cobrados e testados consecutivamente a ser um aluno exemplar, o orgulho dos pais, que precisa tirar boas notas em todas as matérias e, além disso, ter disciplina dentro e fora de casa, sem esquecer de mencionar as atividades extraordinárias. Nas 16 horas que estamos acordados (afinal, as oito restantes são dedicadas ao sono, teoricamente), parece que as brincadeiras, as horas de aventura, são cada vez mais oprimidas para dar espaço ao que realmente nos trará um futuro promissor. O estímulo à imaginação, o fascínio pelo escapismo das fábulas, tão cheios de significados misteriosos, são vistos pelo mundo executivo como coisas de gente desleixada.
Sendo um pouco maniqueísta em sua apresentação do sistemático e temível mundo executivo (visto de cima praticamente como uma placa de computador) e seus traços quadriláteros que contrastam com a liberdade da casa do Aviador (dublado por Marcos Caruso), com suas cores vivas que, aos poucos, contaminam os tons de sépia daquele lugar a princípio mal cuidado, notamos como existe uma homenagem a outro francês visionário, o cineasta Jacques Tati. Há um toque de seu legado nos cenários, figurinos e até mesmo no humor dos personagens que, embora prejudicados pelo crescente e exaustivo (se duvidar, dispensável) tom sombrio no qual a narrativa se encaminha, não faltam os momentos em que a gente sorri e até mesmo deixe cair algumas lágrimas.
No entanto, nada supera a emoção de ver o conto do Pequeno Príncipe representado da maneira mais impressionante vista no cinema no então. O stop-motion feito para narrar o encontro do Aviador com o principezinho é lindo e impressionante, favorecido pelos materiais artesanais utilizados para criar os personagens com seus movimentos graciosos, que se destacam ainda mais com o recurso do 3D. Poucas coisas saltam da tela, mas por outro lado, o mundo dessa historinha ficou ainda mais vívido e é justamente onde destaca sua originalidade, uma vez que, durante sua projeção, são nítidas as influências de outras animações.
Por mim, não haveria nenhum mal em permanecer o filme inteiro imerso nessa fantástica aventura da (re)descoberta de bons valores e é triste que seus realizadores insistam num terceiro ato onde seus incidentes beiram aos clichês emocionais, entregando um clímax que grita por mais ação. Ainda que sejam passagens divertidas, mais parecem um corpo estranho com o intuito solene de reafirmar os ensinamentos do menino que veio do asteróide B-612.
Parafraseando Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos” e aqui a dedicação à rosa foi intensa, tornou-a importante, mas vaidosa. Assim como o Pequeno Príncipe, muitas vezes ficamos satisfeitos com algo minimalista, simples, mas feito de bom grado.
Saiba mais sobre o filme:
Notícias | Cartaz e trailer de “O Pequeno Principe“
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