“Super Fantástico”
Sem enrolação, o que tenho a dizer é que “Samantha!” é a melhor série original Netflix brasileira até o momento. Divertida, ácida, bem-humorada e totalmente atual, a série é um refresco no humor brasileiro que anda sofrendo muitos nos últimos tempos. Além de ser um belo retrato nostálgico de uma televisão brasileira liderada pelos exageros e surrealismos.
Samantha! foi, trinta anos atrás, a estrela da “Turminha Plimplom”, programa de variedades infantil que liderava a audiência nos anos oitenta e que continha em sua composição todas as bizarrices presentes em qualquer programa da época, números musicais de crianças, pessoas vestidas de carteiras de cigarro, propagandas de cerveja feitas por jovens, mulheres seminuas dançando a todas as músicas possíveis e ainda mais elementos que podem ser vistos ao longo da temporada. Após trinta anos do final do programa, Samantha! se encontra em seus quarenta anos, mãe solteira de dois filhos, e jogada em um doloroso e longo ostracismo de carreira, lutando ao máximo para reerguer sua fama e finalmente voltar ao tão celebrado horário nobre.
Em meio a longa jornada de subida na escada da fama, os mais diferentes obstáculos a impedem de continuar, morte de colegas, a volta de seu marido da prisão, oportunidades ruins e o preconceito sofrido por ser uma estrela mirim que fracassou em continuar sua fama. A série busca por criar um retrato de inúmeras pessoas como Samantha que já tiveram tudo e que hoje lutam para ter um emprego, e na série fica muito clara de onde vem a inspiração para a personagem e para todo o contexto representado, mas não irei citar nomes.
Interpretada por Emanuelle Araújo em sua fase adulta, Samantha é teimosa, batalhadora e corajosa, ela não tem medo de aceitar qualquer oportunidade, de ir em frente e de lutar por sua carreira. Uma mulher que entende sua condição social e que luta ao máximo para reverter a mesma, e em sua situação, o retorno de seu marido a sua vida pode ser o empurrão que ela precisava para conseguir o que quer, pois já dizia seu agente “casal vende”. Dentro da criação da personagem existe muitos elementos, existe muita profundidade, ela foi uma péssima profissional quando criança, aterrorizava de todos a sua volta e era até conhecida como “Samonstra”, e isso acabou por prejudicar seu futuro, e nesse caso, seu presente.
Ela é uma mulher que sofreu muito com a falta de fama, ela cresceu com isso, sua infância inteira foi rodeada de câmeras e fãs, ou seja, desde seu nascimento Samantha foi criada para entender que apenas se vive desse modo e ver que isso acabou de um momento para outro é o verdadeiro pesadelo. Samantha se recusa a aceitar sua condição e luta para que isso mude, e esse é um retrato que se torna ainda visível pela interpretação de Emanuelle que encarna da forma mais real possível essa mulher machucada pela vida. Sua interpretação consegue unir de uma forma muito agradável a comédia e o drama, mesmo machucada ela consegue tirar um tempo para ser muito bem-humorada, o maior e melhor papel de toda a carreira da atriz, que finalmente pode ser reconhecida.
Um dos “trunfos” da série é o retrato da televisão brasileira, e principalmente, dos anos 80, visto suas loucuras e absurdos. “Samantha!” usa e abusa desses elementos como forma de criar essa nostalgia, e ao mesmo tempo, mostrar a todos como o que acontecia em frente as câmeras era totalmente imoral, e isso faz rir, pois, em comparação aos dias de hoje, o cenário inteiro está alterado, e o que pode ser considerado imoral se encontra de outras formas do que nas épocas anteriores. A temporada traça um retrato magnifico de como opera essa curiosa televisão brasileira e seus absurdos que ultrapassam o espaço e o tempo, e que ainda encanta por suas estranhezas e muitas peculiaridades.
Esse é também um elemento que traz a série a brasilidade que uma produção nacional precisa ter, apenas no Brasil isso aconteceu e acontece, nossa televisão é única, e a “Samantha!” reconhece isso completamente e sabe utilizar isso a seu favor. Além de se utilizar de uma grande bagagem de memes e referências que torna a série ainda mais atual e próxima a uma sociedade tão interligada com essa forma de humor.
Parte dos muitos benefícios dentro de a série ser de uma grande produtora como a Netflix vem em sua divulgação. O marketing de “Samantha!” é brilhante, com músicas lançadas na internet, entrevistas concedidas pela personagem a entrevistadores reais e famosos, além de sempre alfinetar “famosos” como Samantha o tempo inteiro. A personagem tem seu próprio “instagram”, onde posta todos os dias, fotos e vídeos sobre sua jornada para alcançar a fama novamente.
Visualmente a série é simples, realizando um bom retrato de sets de filmagens, estúdios, e ao mesmo tempo trabalhando bem na execução de locais cotidianos, como as casas das personagens, nada extravagante, mas que serve de bom uso a série. A direção é eclética, alternando de planos e estéticas a cada episódio e isso em prol da narrativa, o que traz um frescor aos olhos de quem assiste, pois a cada momento se depara com uma “paisagem” diferente a se olhar.
O roteiro da série, criada por Felipe Braga, é o que brilha a todos os momentos, ao mesmo tempo que nostálgico, ele nunca se deixa ser melancólico, sempre olhando para trás apenas como um meio de relembrar, nunca reviver. Com episódios bem divididos, tramas bem espalhadas e construídas, piadas pontuais, engraçadas e com muitas referências a nossa cultura, além de personagens muito bem estruturados e que sempre tem sua hora de brilhar. O elenco coadjuvante é bom, mas as vezes falha, com timing incorreto e as vezes tornando cenas desconfortáveis, mas nada que afete a série como um todo. Emanuelle brilha em todas as suas cenas e consegue consertar as falhas quando necessário.
“Samantha!” é inteligente, otimista e engraçada, uma grande vitória de produção original que eleva e muito o patamar de produções nacionais e mostra que existe sim um humor brasileiro e que o mesmo pode ser muito bom. Com uma protagonista maravilhosa se munindo de um grande roteiro, a série consegue ser única e divertida, além de trazer muitas reflexões sobre as feridas e percalços causados pela fama prematura. Que mais temporadas venham e viva a Samantha!
Todos os episódios da primeira temporada estão disponíveis na Netflix.
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