Quando Ridley Scott lançou “Alien“, abrindo na vertente da ficção científica espacial uma lacuna para o horror, talvez não era esperado que a visão trágica do diretor influenciasse dezenas de cineastas durante as mais de três décadas desde que o filme virou um fenômeno cult. Entre as desaventuras interestelares cinematográficas, até mesmo aquele que impulsionou o estilo caiu na mesmice de repetir a sua mesma fórmula em “Prometheus“. Mas quem disse que Ridley Scott perdeu a mão de vez? É com muito otimismo que “Perdido em Marte” mostra que o diretor deu uma empolgante volta por cima.
Sabe quando você está desmotivado(a) e aí as pessoas vem solenemente lhe falar que você é quem cria as oportunidades? Pois bem, esta é a sensação geral que o simpático astronauta Mark Watney (Matt Damon, pra lá de esforçado) nos transmite a cada videolog que registra a cada “Sol”, mais precisamente, cada dia que o botânico passa no até então inabitável planeta Marte. Vítima de uma forte tempestade no planeta e dado como morto pela tripulação da nave Hermes, que traça seu rumo de volta à Terra, Watney precisa lidar com as dificuldades impostas pelo infértil solo que habitará por um longo tempo e, o mais complicado, descobrir um jeito de se comunicar com os companheiros da missão e também os chefões da NASA, no mui-distante estado do Texas…
Impondo a si mesmo uma rígida dieta de suprimentos que irão lhe garantir, em tese, por volta de dois anos em Marte, Watney encara toda a sua desolada rotina como um exercício para lembrar que está vivo, procurando manter mente e corpo sãos, mesmo que, por vezes, pareça pronto para receber a morte que aqui na Terra recebeu até memorial. E quando a NASA descobre que seu astronauta ainda respira, como lidar? Para o presidente da agência, Teddy Sanders (Jeff Daniels), tudo exige burocracia e até mesmo chega a “preferir” que Mark continue morto, assim noticiado para a imprensa, a enfrentar escândalos e comprometer a instituição. Por sorte, a NASA mantém cientistas altruístas e que não deixarão o solitário astronauta perecer. Se a aula-show de ciências já estava interessante com as atividades de Watney lá em Marte, as coisas também despertam nossa curiosidade, estimulam nossos cientistas interiores a querer descobrir mais e como, quando e onde Mark conseguirá voltar para o seu planeta natal, por mais que já se intitule o primeiro colonizador marciano.
Não há dúvidas de que, além da fascinante história roteirizada a partir do livro homônimo de Andy Weir, um dos maiores atrativos do filme seja o 3D. Tanto “Prometheus” quanto “Êxodo: Deuses e Reis” tiveram experiências interessantes com o recurso, mas agora Scott e o diretor de fotografia Dariusz Wolski apresentam planos bem compostos e que denotam a profundidade árida do planeta vermelho, sem contar na incrível sequência montada entre Marte e a nave Hermes a partir de uma icônica música de David Bowie. Aliás, a seleção de disco-music deixada pela comandante Melissa Lewis (Jessica Chastain), a qual Watney diz ouvir a contragosto, é outra irreverência do filme que, embora nos traga em mente a divertida “Awesome Mix” de “Guardiões da Galáxia“, combina muito com as cenas e canções como Hot Stuff e Waterloo servem como ótimos elementos de transição na montagem.
Embora prevaleça o didatismo (necessário) durante quase todo o filme, com suas explicações científicas que também evocam muito a cultura pop, “Perdido em Marte” só fica devendo mais tela para seu elenco de apoio (também popular) desenvolver melhor seus personagens, principalmente a tripulação da Hermes que pouco parece estar abalada com sua baixa. Pelo menos Jessica Chastain se compromete em seu papel, mostrando que tem força e também tentará o impossível para não abandonar Watney uma segunda vez.
Em tempos onde a NASA anuncia que há água salgada em Marte (e isso não é ficção), a experiência proposta em “Perdido em Marte” é um entretenimento inteligente que faz a gente deixar passar as “licenças científicas”, e olha que a agência espacial pesou a mão no roteiro de Drew Goddard. Enquanto o Dr. Mann de “Interestelar” era um sujeito descrente, sem vontade para ser um “herói do espaço”, o Mark Watney do mesmo – e sorridente – Matt Damon é confiante e, nas entrelinhas do filme, não deixa dúvidas: há esperança em Marte!
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