Desde sua estreia com “Shotgun Stories” de 2007 Jeff Nichols vem captando os olhares para o desenvolvimento narrativo autoral e dinâmico de seus filmes. Acometidos sempre pela tenuidade típica do cinema independente dos Estados Unidos, os filmes do diretor se sobressaem essencialmente pela captura de imagens com tonalidades delicadas e praticamente de olhar clínico das fábulas interioranas por ele concretizadas. Seu novo longa, “Amor Bandido” (tradução constrangedora para “Mud”), chega finalmente ao país, depois de rodar festivais e quase ser esquecido no circuito nacional, colocando Nichols em evidência ao tratar com brutal maestria uma das temáticas mais exploradas pelo cinema alternativo, o coming of age, que nas mãos do diretor encontra uma nova roupagem num estudo peculiar e de abrangência, tratado com distinta e emocionante honestidade.
Partindo de uma construção autobiográfica, em referência as frustrações juvenis do próprio diretor, “Amor Bandido” narra à história de dois amigos, Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland), que sobrevivem à pacata vida interiorana procurando aventura em lugares isolados da pequena comunidade em que vivem. Numa viajem a uma pequena ilha ao redor do rio Mississippi eles encontram um barco preso a uma árvore em meio à floresta, provavelmente, preso em função de uma enchente, o qual logo resolvem tornar de sua posse. Ao adentrar o que se assemelha a uma típica casa na árvore, os dois notam que alguém está vivendo ali, quando, então, um homem misterioso se aproxima. Mud (Matthew McConaughey, em outra performance impecável), o tal homem, se apresenta aos garotos, revelando que cresceu ao redor dali. Percebendo a ingenuidade dos jovens e sua intenção quanto ao barco, Mud vê a oportunidade de oferecê-lo em troca de comida (e um pouco de companhia também). Não demora muito para que Ellis -que na verdade se utiliza das aventuras junto do amigo como uma válvula de escape dos problemas familiares e da difícil fase de transição a qual vem em silêncio passando- seja envolvido pela trama de Mud, cuja figura se torna um espelho, tanto pelas histórias fora da lei que o estranho homem lhe conta, quanto por sua relação amorosa com uma bela mulher de nome Juniper (Reese Whiterspoon). Ao passo que, a partir da curiosidade de Ellis, a história se desenvolve numa dinâmica entre o coming of age, o romance e o crime, é interessante ver como a construção do suspense nessa atmosfera interiorana, semelhante a um western contemporâneo (sofisticado), ganha plenitude no tratamento sutil de Nichols, que se utiliza da inocência como moral para a mitificação do amor e das barreiras criadas pelo homem; contraste dado -principalmente- nos planos e contra planos de Tye Sheridan ao lado de Matthew McConaughey.
Se lá em “O Abrigo“ de 2011, a iminência da loucura do homem era o plano central na desenvoltura estética do cinema de Nichols, que se fazia justamente na construção imagética dos anseios psicológicos de Michael Shannon, em “Amor Bandido” , antes de qualquer coisa, há uma preocupação em manter a alma do filme intacta de qualquer experimento que se realize das possibilidades do campo/contra campo cinematográfico. E essa posição a qual Nichols se coloca para explorar suas intenções nos mínimos detalhes se assemelha muito a proposta de Martin Scorsese em “A Invenção de Hugo Cabret”, não sendo a toa que o culto comercial de seus filmes tenha sido potencializado aqui. Dos códigos narrativos ao brilhante trabalho realizado junto ao elenco, esse cinema de Jeff Nichols representa, em toda sua beleza, uma humilde ingenuidade que se completa a de seus personagens, derivados do espelho clássico/contemporâneo de nomes subestimados pelo cinema moderno hollywoodiano, contemplando sua autoria e mantendo-se crível a tênue ficção/realidade de (melo) dramas cotidianos.
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