
Esse é, talvez, um dos textos mais difíceis que já escrevi. Uma crítica sobre uma nova versão de uma animação que eu adoro, feita pelo estúdio de cinema que mais admiro. “Branca de Neve e os Sete Anões“, o primeiro longa-metragem de animação da Disney, lançado em 1937, foi um marco não apenas na história do estúdio, mas também na evolução do cinema como um todo. Não só eu, mas o mundo, sempre considerou esse filme como um dos maiores clássicos da história da animação, uma verdadeira obra-prima que ainda nos ensina sobre o poder da narrativa visual, da música e da magia da animação.
Vindo da área de Marketing e sendo estudioso da Disney há anos — já tendo feito inúmeros trabalhos de conclusão de cursos e artigos sobre o estúdio e suas produções —, eu não sou do time que critica a estratégia da Disney de lançar live-actions de seus clássicos. Essa é uma estratégia que a Disney criou durante o período da 2ª Guerra Mundial e que foi, ao longo dos anos, atualizada. Apresentar um filme já existente para uma nova plateia é uma jogada inteligente, e, honestamente, quem critica essa estratégia, na maioria das vezes, o faz porque não consegue aplicar algo semelhante em sua própria realidade. Afinal pense, você vender o mesmo peixe para um novo publico é uma super estratégia. Claro, no mesmo período, eu entendo e compartilho a crítica à falta de novas histórias e produções originais. Isso faz falta e é algo que nos faz questionar onde está a criatividade genuína no mercado atual.
No entanto, a chegada do live-action de “Branca de Neve” (2025) tem me feito questionar como, muitas vezes, a tentativa de modernizar um clássico pode ir longe demais. E, nesse caso, a grande pergunta que fica é: até que ponto estamos dispostos a revisitar a história, sem apagar tudo o que foi feito antes?

A Disney tem investido pesado em seus remakes live-action, e alguns (como “Cinderela“, “A Bela e a Fera” e “Aladdin“) provaram ser sucessos de bilheteria e engajamento – “Aladdin” é o exemplo perfeito de uma releitura que carrega o peso e a importância do clássico com uma modernizada perfeita. Quando o remake de “Branca de Neve” foi confirmado, os fãs esperavam uma releitura visualmente rica e fiel ao encanto do original de 1937.
A escolha de Rachel Zegler, estrela em ascensão após o incrível “Amor, Sublime Amor” (2021), de Spielberg, também parecia uma jogada promissora. Ela canta, atua bem, tem presença em tela e já vinha sendo cotada como uma das novas queridinhas de Hollywood. Mas aí ela abriu a boca nas entrevistas… e todo mundo sabe o que aconteceu, se não sabe: Zegler começou a dar declarações que geraram mais buzz negativo do que empolgação. Ao afirmar que achava a versão original “estranha” e dizer que sua Branca de Neve não precisaria de um príncipe, ela acendeu o pavio de uma guerra cultural nas redes sociais.
Lembre-se do que escrevi no meu primeiro parágrafo deste texto: ” Não só eu, mas o mundo, sempre considerou esse filme como um dos maiores clássicos da história da animação, uma verdadeira obra-prima…”, então como pode Zegler criticar essa obra dessa forma?
Se não bastasse Zegler, as críticas se intensificaram quando a Disney anunciou que os “sete anões” seriam substituídos por criaturas mágicas, ou um grupo de personagens novos, numa tentativa de evitar estereótipos, mas que acabou apagando personagens com potencial de representatividade, especialmente dentro da comunidade anã – isso depois de declarações do ator Peter Dinklage (conhecido por “Game of Thrones“), que apontou que a Disney estaria reforçando estereótipos antiquados ao manter personagens anões como figuras cômicas.

Antes da estreia “Branca de Neve”, já enfrentava um desgaste raro para produções da Disney. Em vez de unir gerações em torno de um conto reinventado, o filme virou campo de batalha entre os que pedem mais diversidade e modernização (até que ponto?), e os que querem rever o encanto da história que marcou sua infância (todos temos sonhos).
Como muitas pessoas, cresci assistindo “Branca de Neve e os Sete Anões” na minha casa, colocado no video cassete da sala a minha fita verde do filme. Aquela história simples, mas encantadora, de uma princesa que se vê em perigo por causa da vaidade de sua madrasta, com a ajuda dos sete anões e, claro, o final feliz com o príncipe encantado. Para a época, o filme foi revolucionário, e, até hoje, é considerado uma das maiores realizações da animação. A beleza do traço, a música imortal de “Someday My Prince Will Come”, a simplicidade da narrativa… tudo aquilo é parte de uma memória afetiva coletiva.
Mas, e aqui entra o ponto crucial, a animação de 1937 também tem suas questões datadas. A representação da mulher, o conceito do “príncipe encantado” (quem não sonha em encontrar o amor da sua vida?), a ideia de que a mulher precisa ser salva – tudo isso é um reflexo de uma sociedade do passado, uma sociedade que, sim, evoluiu. Não podemos ignorar essas questões, e é fundamental que os filmes clássicos sejam revisitados sob uma lente crítica, com debates abertos sobre ideais e ideias que eles possam carregar. O debate é para isso, a obra de arte é para isso, para florescer o debate de ideias, e claro carregar a característica de um período no qual a sociedade viveu.

Agora, ao falar sobre a nova versão de “Branca de Neve“, é difícil não se perguntar: até que ponto a Disney precisaria ir para corrigir essas questões sem, de fato, desrespeitar a essência do filme original? A escolha de uma protagonista como Rachel Zegler, que traz uma abordagem mais moderna e empoderada para a personagem, é um reflexo de uma sociedade que valoriza a autonomia e o empoderamento feminino. Contudo, algumas decisões, como a reinterpretação dos sete anões e declarações sobre o filme de 1937, me deixam com um certo desconforto.
Mudar a narrativa para refletir os tempos atuais é importante, claro, mas será que isso deveria vir a um custo tão alto, como apagar a própria essência do filme que, por mais datado que seja, também é um reflexo de sua época e um marco de nossa história cultural? A tentativa de afastar o clássico de seu próprio legado, tratando-o como algo ultrapassado ou até prejudicial, corre o risco de minimizar o impacto que ele teve em várias gerações e, talvez, até de apagar o próprio DNA da Disney. Parece que a Disney tem medo de admitir que “Branca de Neve e os Sete Anões” é um clássico da empresa, é uma obra-prima. Até eu estou com receio de falar que adoro a animação de 1937!
Eu entendo a necessidade de adaptação, de uma visão mais inclusiva e de um olhar crítico sobre a representação dos personagens. No entanto, precisamos ter cuidado para que o processo de evolução não se transforme em uma negação do passado. A sociedade mudou, o mundo evoluiu, mas isso não significa que devemos nos envergonhar do que foi feito antes, especialmente quando se trata de um filme que, no fundo, é um símbolo de uma grande era da animação. Ignorar ou, pior, condenar o que foi feito no passado por conta das limitações de seu tempo, é não apenas injusto com o clássico, mas também com a própria evolução do cinema.
Antes de chegar nas telonas “Branca de Neve” se dizia tão inovador, uma nova abordagem, um novo olhar, uma nova releitura, que quem esperava encontrar isso só se decepcionou. O filme é um desastre, de conto de fadas ele virou um pesadelo.
O roteiro é péssimo, a edição tentou salvar as inúmeras refilmagens que ocorreram para tentar melhorar o resultado final (coisa que não aconteceu). As musicas, tirando as clássicas, são um horror, a narrativa ampliada com a trilha sonora do origina agora se perde em números musicais dignos de pena. E o que falar do CGI dos anões? sem comentários.
Além disso temos o Jonathan (o antigo príncipe), interpretado por Andrew Burnap, que agora virou um ladrão – aqui quase que podemos dizer que a Branca de Neve tem Síndrome de Estocolmo, um fenômeno psicológico em que a vítima de sequestro, roubo ou abuso desenvolve uma ligação emocional com seu agressor ou sequestrador.

A bela Gal Gadot vive a Rainha Má, que tem números musicais terríveis e a tão aguardada cena da transformação em bruxa, algo que era fascinante e deslumbrante na versão de 1937 perdeu a magia e se tornou algo um tanto constrangedor e sem impacto em 2025.
Revisitar um clássico de maneira tão desrespeitosa é vergonhoso. É triste para qualquer estudioso de cinema, Disney, animação ou arte. Como fã e um grande admirador da Disney, minha crítica ao novo” Branca de Neve” não vem do lugar do desdém, mas da tentativa de compreender o que realmente está em jogo aqui. Não se trata de resistir à mudança, mas de entender como o legado pode ser respeitado enquanto ainda se traz novas perspectivas.
São inúmeros os autores, críticos e cineastas que falam sobre o local que “Branca de Neve e os Sete Anões” ocupa na história da sétima arte. Sua condição de clássico, de obra-prima é única. O filme é um marco na história da animação, e ainda é um dos projetos favoritos do próprio Walt Disney.
A sociedade mudou, o mundo evoluiu, mas “Branca de Neve e os Sete Anões” ainda é parte fundamental da história do cinema. O que precisamos é encontrar uma maneira de respeitar esse legado enquanto avançamos para um futuro mais inclusivo e representativo. Só assim poderemos garantir que a magia que esse clássico carrega não se perca no caminho das adaptações de hoje. O filme deixa de ser um espelho mágico da nova era Disney para virar apenas mais um reflexo quebrado na cultura pop atual.