Vendo ou Alugo, o mais novo filme de Betse de Paula, é uma comédia nem tão ridícula, com momentos que de tão improváveis são muito engraçados.
Maria Alice (Marieta Severo) está a sete anos tentando vender a casa da família, circundada pela favela carioca. Ao perceber que, se não quitar suas dívidas a casa poderá ir a leilão, toma a decisão drástica de pedir ajuda à Iemanjá, oferecendo a ela uma pequena oferenda. De repente surgem pessoas interessadas em comprar o imóvel, sendo elas o pastor da comunidade, um francês e um grupo de senhoras jogadoras de pôquer. O pastor quer o imóvel para ampliar a sede da Igreja local, que até então ocupa um lugar que serve também para baile funk; o francês quer para abrir um hotel “de vivência real no Rio de Janeiro”, onde os estrangeiros poderão sentir na pele como é morar em uma favela; e as velhas senhoras querem para abrirem uma sede de jogatina.



Colocando as risadas de lado, esse filme chama a atenção pela questão política. A casa em questão é uma antiga mansão, onde antigamente ocorriam bailes e festas da alta sociedade. No presente, está em decadência, o bairro ao redor foi transformado em favela, e os eventos chiques dão lugar a bailes funks e tiroteios. Se considerarmos a casa como sendo o povo brasileiro, este estaria metaforicamente sendo vendido a estrangeiros como algo exótico e extraordinário, um produto turístico; estaria sendo vendido também para a igreja, que cada vez mais pensa em conquistar fiéis ao invés de pensar no bem estar da população; e ainda o povo estaria sendo vendido para os anciões brasileiros, que só pensam em jogos de apostas, sacanagem e prazeres, e para isso estão dispostos a sacrificar o bem estar de todos ao seu redor. O roteiro é muito bem construído. Cabe aqui um elogio a equipe de roteiro, Maria Lucia Dahl (autora da obra original), Betse de Paula, Mariza Leão, Julia de Abreu, José Roberto Toreiro e Adriana Falcão. Além disso, tem a questão de Maria Alice traduzir um manual de uma arma de fogo para os traficantes locais. Em meio a confusão, ela acaba tendo que utilizar o manual para matar baratas, o que passa a sensação de potência que a arma possui, uma vez que seu próprio manual já é mortal, e mata com a facilidade que temos de matar uma barata.
Sobre a construção sonora, achei um tanto fraca, mas diferenciada das demais comédias nacionais a que estamos tão acostumados. O primeiro plano que nos é apresentado no filme é a vista do Corcovado de helicóptero, que sobrevoa a região. Ao decorrer da história, em ambientes em que há janelas abertas ou que as personagens estão ao ar livre ouve-se o som das hélices quase que constantemente, como seria em uma situação real. Outro fator interessante também é a utilização de efeitos sonoros para ilustrar os pensamentos ou intenções de uma personagem. Exemplo: Dodó pede a bolsa da filha emprestada, com intenção de pegar dinheiro escondido, mas não verbaliza suas intenções. Ao fundo, ouve-se o som de uma caixa registradora no momento em que Dodó pega a bolsa. E assim vai ao longo do filme inteiro.

Vale chamar atenção para os diversos prêmios que o filme recebeu. No 17º edição do Cine PE conquistou doze prêmios, sendo eles melhor filme, direção, roteiro, montagem (Marta Luz), trilha sonora (Bandeira Oito, Nelson Jacobina e Jorge Mautner), direção de arte (Emily Pirmez), ator coadjuvante (Pedro Monteiro), atriz coadjuvante (Nathalia Timberg), atrisz (Marieta Severo), júri popular, especial da crítica e especial “às tartarugas” (as senhoras do filme).
Resumindo, é uma obra e tanto, digno de ser assistida. O filme é engraçado, divertido, leve e com conteúdo e técnicas muito bem abordados. A atuação ajuda bastante, e o cenário, antigo conhecido do povo brasileiro, as favelas, é retratado de um modo único e peculiar, fugindo dos estereótipos comuns.

É diversão garantida para toda a família!