Em se tratando de filmes acerca da Segunda Guerra Mundial, a somatória é longa quando os títulos são predominantemente americanos, geralmente com seu ponto de vista particular, embora haja várias produções focando em incidentes dos Países do Eixo, como o notório “A Queda: As Últimas Horas de Hitler“. No que se refere aos acontecimentos da guerra em países invadidos pelos nazistas, a experiência cinematográfica de produções desses mesmos países acaba por trazer uma nova perspectiva sobre os horrores do holocausto. No húngaro “Filho de Saul“, não existem heróis nem condecorações posteriores, mas o urgente cotidiano claustrofóbico de um campo de concentração.
Saul Ausländer (Géza Rohrig) é um prisioneiro judeu de Auschwitz no ano de 1944, mas ao contrário dos muitos prisioneiros que vão direto para as câmaras de gás ou qualquer outra tortura patrocinada pela SS, Saul é um sonderkommando, incumbido de fazer todo o trabalho sujo do campo de concentração, incluindo aí ludibriar os recém-chegados com promessas falsas, separar as peças de roupas e qualquer coisa brilhante, remover as “peças” das câmeras e qualquer outra tarefa da qual os nazistas não ousam sujar as mãos. Tarefas em que o olhar fica direcionado para baixo a todo instante, feitas com um misto de remorso, precisão e medo, afinal, executando essas atividades cíclicas, os gritos de horror na câmara já fazem parte do cotidiano daqueles homens que mal sabem se estarão vivos no dia seguinte.
Enquanto os murmúrios de uma insurgência se tornam mais fortes nos dormitórios (se é que podem ser considerados assim) dos sonderkommandos, Ausländer acaba descobrindo que um garoto que sobrevivera à câmara era seu filho bastardo, um novo respiro que o jovem foi prontamente impedido de ter pelos nazistas. Na busca de dignidade onde (injustamente) não há, Saul quer tentar enterrar seu filho de acordo com a tradição judaica, necessitando de um rabino para consumar o ato, praticamente uma caça desesperada por todo o campo ao passo em que ouvimos chamas crepitando, tiros e corpos caindo ao chão. Um terror que, “graças” ao desfoque da fotografia, não conseguimos enxergar com nitidez, o que não quer dizer que não possa ser sentido e imaginado.
Sendo o primeiro longa do diretor Lázló Nemes, a composição por planos-sequências revela ser um trabalho incrivelmente preciso, sobretudo com o uso da película em 35mm no aspecto 4:3, deixando tudo mais sufocante e possibilitando um bom uso do som com o extracampo, cedo ou tarde revelado pelo bom manejo da câmera do diretor de fotografia Mátyás Erdély. Potencializado pelo foco da câmera, o olhar duro e pouco sensível de Röhrig confere ao seu personagem um veio determinado que pouco a pouco vai se desgastando, assim como a necessidade do diretor pelos planos-sequência. Quando Saul é colocado para agir na trama da rebelião enquanto ainda mantém em pé seu objetivo, a narrativa carece de detalhes ou até mesmo diálogos que expliquem um pouco mais ou deem mais tempo para os atores. A própria motivação de seu personagem, por exemplo, vem a ser cansativa e passa a perder sua força, encaminhando-se para as típicas in-conclusões de alguns roteiros europeus.
Cercado constantemente pela morte, o plano de Saul talvez parecesse uma causa irrelevante, arriscada, mas veio a ser um fio de esperança para quem se surpreendeu por ainda ser capaz de esboçar um sorriso e receber aquilo que sempre esteve em seu encalço.
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