Aos olhos de uma criança, não há lugar como o seu quarto. É justamente nesse espaço, assim se presume, que se concentra praticamente tudo o que ela precisa em termos de conforto, educação e diversão. Ainda que a realidade universal não seja desse modo, imaginação não falta para que as crianças desenvolvam suas próprias brincadeiras por menor que seja o cômodo. Ao completar cinco anos, o pequeno Jack (Jacob Tremblay) vai conhecer um outro mundo lá fora e descobrir que ele não é exatamente bom.
Acompanhando o garoto neste seu pequeno grande mundo, descobrimos que Jack sempre viveu ali com sua “Ma”, Joy (Brie Larson), há anos mantida em cativeiro por um tal de “Velho Nick” que sempre abusou sexualmente da jovem mãe a troco de suprimentos limitados para ela e para o menino que ali nasceu, fruto da indesejável relação. Ao contrário do que se pode imaginar, Joy não tem aversão ao seu filho, é ele que lhe fornece a vontade de viver naquela condição repugnante e, quem sabe, conseguir sair dali, uma força que, segundo o próprio Jack, vem de seu cabelo comprido igual ao de Sansão. Acusada pelo próprio sequestrador de que “pensar não é o seu forte”, é a partir do quinto aniversário de Jack, com direito a um bolinho simples, porém mais do que especial, que Joy passa a tomar coragem, tão enojada de tudo o que a cerca no Quarto, e traça planos talvez impossíveis para que ela e filho vejam o mundo mais do que pela limitada visão da Claraboia. Uma vez que Joy conta a Jack que o mundo é bem melhor que tudo aquilo ali, incluindo aí uma TV de imagem (e conteúdo) ruim e a energia racionada, será que ambos estarão aptos a encarar a vasta dimensão do que os espera?
Com o roteiro escrito por Emma Donoghue a partir do seu livro homônimo, o diretor Lenny Abrahamson faz com que “O Quarto de Jack” seja uma experiência sensitiva bastante surpreendente, em especial pelas grandes atuações de Brie Larson e Jacob Tremblay, um garoto prodígio e lúcido, ainda que os méritos não param por aí. Abraçando linguagens, o diretor irlandês faz ilusionismo ao retratar o Quarto num espaço maior do que aparenta, afinal, estamos predominantemente sob a perspectiva de Jack e até mesmo o Armário em que o personagem dorme parece até aconchegante, uma ótima que é desmascarada no terceiro ato. Outro ponto relevante certamente está no design de som do filme, tornando os passos da chegada do “Velho Nick” muito mais amedrontadores do que aparentam e alocando-os de forma que alimenta o suspense de onde estaria esse quarto. Estaria sob a terra? No porão ou no sótão de uma casa? Assim como Joy, somos negados a ver o que há além da porta com a trava eletrônica e tudo no exterior vai nos parecer mais claro do que é na realidade e bem menos afetuoso.
Nos planos da fria luz estourada da fotografia de Danny Cohen em lugares tanto espaçosos quando aconchegantes, percebemos como a promessa de Joy ao filho sobre o “mundo real” não foi concretizada como esperado. Ainda que o roteiro falhe ao acompanhar Joy em seu (re-)convívio com as pessoas, em especial com a sua família, é interessante notar como Larson faz com que sua personagem pareça alheia ao seu quarto (legítimo) com uma parede cheia de recortes de fotos de ídolos teen, assim como ao revidar as solenidades ásperas de familiares e imprensa sobre a sua terrível experiência, uma ferida que dificilmente se cicatriza. Não menos coerente é a sensação de misandria que fica, justificada pelas ações de homens que passam pelo caminho de Jack e Joy, atitudes tão repugnantes quanto as do Velho Nick e que suprimem a necessidade de ajudar e acolher aqueles que mais necessitam. Nesse elo eterno e inquebrável de amor entre mãe e filho, tão bem transmitido por Larson e Tremblay, a perda da inocência acontece quando temos a (falsa) esperança de que o mundo e as pessoas sejam reciprocamente bons.
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