Oito minutos.
Oito minutos é o tempo que leva a sequência mais angustiante e espetacular de “O Voo”, quiçá uma das cenas mais espetaculares da história do cinema. São nesses oito minutos que o diretor Robert Zemeckis mergulha personagens e plateia em um avião em queda livre, na qual mesmo os mais impassíveis grudarão na cadeira e terão palpitações no coração. Um triunfo de tudo aquilo que é cinema de ação.
Isto demonstra, de forma satisfatoriamente positiva, que, mesmo após passar os últimos anos investindo em produções de captura de movimento (com resultados questionáveis), Robert Zemeckis ainda possui o talento e a visão que presentearam o público com clássicos como “Forrest Gump”, a trilogia “De Volta para o Futuro” e “Contato”.
A história, escrita por John Gatins (“Gigantes de Aço”), gira em torno de um acidente aéreo surpreendente, que poderia ter se transformado em uma tragédia se não fosse pela perícia do piloto Whip Whitaker (Denzel Washigton). Para salvar a vida de sua tripulação, o cara fez o possível e o impossível para aterrissar seu avião com segurança, e tudo isso algumas horas depois de consumir muita bebida e cocaína. Na verdade, Whitaker é alcoólatra, daqueles que não assumem o vício, e no dia do acidente ele também estava bêbado.
É em meio a esta contraditória realidade que “O Voo” situa sua trama. Mesmo bêbado e drogado, o piloto foi capaz de realizar uma manobra tão improvável que nem mesmo 100 pilotos conseguiram reproduzi-la em voos simulados. Um milagre em sua concepção. Contudo, um exame de sangue posterior ao acidente comprova a existência elevada de álcool no organismo do piloto, o caso poderia se desdobrar em um julgamento, e Whitaker – que foi clamado herói – teria de enfrentar um tribunal.
A partir desse ponto, o filme desenvolve questionamentos éticos sobre a possível culpa do comandante quanto à morte de quatro passageiros e dois tripulantes, decorrentes da aterrissagem forçada. A problemática, que poderia facilmente ser um acontecimento verídico, é mais complexa do que se pode julgar de imediato. Assim, o roteiro explora dualidades essenciais, como por exemplo: ao mesmo tempo que demonstrou ser um excelente piloto, evitando o provável desastre aéreo, Withaker também recebe repreensões por sua conduta, que, caso não estivesse alcoolizado, poderia ter salvo mais pessoas. Mas aqui fica a dúvida: se ele não estivesse bêbado, teria salvo mais vidas, ou não teria conseguido realizar a façanha heroica?
Zemeckis em seu filme consegue, mesmo que de forma superficial, trabalhar todos os desdobramentos acontecidos depois do acidente, seja falando das corporações e sindicatos do setor (preocupados não com a perda de vidas, mas sim com os possíveis prejuízos por meio dos processos ou seguros) ou ainda na questão da religião (na fé incondicional do co-piloto ou o acidente ser considerado um “ato de Deus”).
Como destaque do elenco temos Denzel Washington, com talvez uma de suas melhores performances. Impossível não elogiar sua autonomia e controle em cena, realmente um trabalho profundo e comovente. Depois de uma sequência de trabalhos medíocres, ele encontra em Whip Whitaker um personagem que lhe cai como uma luva.
No cast estão ainda os ótimos Don Cheadle e Bruce Greenwood como os defensores Charlie e Hugh, John Goodman, que vive Harling, um alucinado fã de Stones, e a atriz Kelly Reilly, que demonstra empenho com sua melancólica Nicole – a garota acaba se unindo ao piloto como em um ato de redenção, e a relação deles serve bem ao propósito de explorar as dinâmicas destrutivas do vício em álcool e outras drogas.
No fim, mesmo com os últimos minutos tendendo a uma lição de moral e frases de efeito/clichês, “O Voo” consegue um resultado excepcional ao apresentar um caso polêmico que, ao invés de dividir opiniões, deixa o espectador com dificuldade de escolher um lado.
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