Da última vez que Steven Spielberg dirigiu um drama histórico, e isso não faz muito tempo, vimos em Lincoln um filme pra lá de arrastado, com uma didática defasada e um ar novelesco, mas que ainda assim procurava evocar os valores de ser americano em meio a um importante tema. Enquanto críticos e fãs clamam pela volta do diretor ao gênero da aventura, em “Ponte dos Espiões” Spielberg prova que tem muito a mostrar e até ensinar enquanto conta mais um episódio da História dos Estados Unidos em plena Guerra Fria.
Planos longos, atuações silenciosas e uma quase ausência de trilha sonora, incluindo aí até uma montagem intelectual. Quem diria que um dos pioneiros do “cinemão hollywoodiano” apresentaria características típicas de um clássico filme europeu? Acontece que Steven Spielberg sempre se mostrou perspicaz na realização de seus filmes e sua decupagem, por mais clássica e acessível que aparente ser, sempre trouxe inovações sutis até mesmo em suas obras mais populares.
Diante de toda essa explicação, fica óbvio que a sequência inicial de “Ponte de Espiões“, com roteiro escrito por Matt Charman e pelos irmãos Ethan e Joel Coen, seria distinta e até pacata comparada com outros filmes de espionagem. Rudolf Abel (Mark Rylance), o suposto agente soviético que move a trama, é um sujeito tranquilo e morador do Brooklyn, de semblante bondoso e que pinta paisagens e retratos como hobbie. Nada a ver com a estereotipada caracterização semidemoníaca que os primeiros filmes de 007 costumavam retratar os agentes (e vilões) soviéticos.
O problema, no entanto e como sempre, reside na burocracia. Assim como o piloto Powers, um estudante de Economia é retido. Ambos são mantidos por governos diferentes (RDA e URSS) e Donovan precisa lidar com as meias-informações cedidas pelo advogado da suposta família de Abel e a falta de complacência, tanto dos agentes americanos que acompanham o advogado na “missão” de resgate, querendo apenas o oficial da aeronáutica, e os dirigentes do outro lado do Muro de Berlim (recém-construído) se mostrando mais preocupados com o nada do que atender aquele que está ali por boas causas. Um homem persistente, nas palavras de Rudolf Abel.
Nas andanças de Donovan debaixo do rigoroso inverno europeu, percebe-se o cuidado no design de produção em mostrar os dois lados de Berlim castigada por uma forte tempestade de neve. Enquanto Nova York é apresentada com cores vivas em um clima ensolarado, mais do que uma clara alusão ao progresso, o lado ocidental da Alemanha ainda traz o conforto (e uma bandeira americana), algo restrito aos moradores da RDA, que vivem em condições precárias e ainda precisam acatar a ordem russa de não reconstruir seus prédios avariados desde o final da Segunda Guerra, ironicamente derrubados pelos mesmos que impuseram tal ordem. Por onde passa, a câmera de Janusz Kaminski procura fazer esse breve, porém marcante, registro socioeconômico. O ponto fraco da produção mesmo fica por conta da trilha sonora de Thomas Newman que, na tentativa de reforçar as cenas com humor sutil, traz uma comicidade piegas (vide a cena de Donovan fugindo de um agente embaixo de chuva) enquanto torna outras passagens forçadamente melancólicas.
Não é surpresa que Tom Hanks, mais uma vez, entrega um personagem carismático, íntegro, ao passo em que pode parecer mais um típico e patriótico bom-moço americano numa leitura superficial. Hoje, quem sabe, com lados políticos cada vez mais despóticos e reacionários, Spielberg parece apontar que talvez precisamos de um bom-mocismo assim, desses que ainda se encontram num povo honesto.
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