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Da última vez que Steven Spielberg dirigiu um drama histórico, e isso não faz muito tempo, vimos em Lincoln um filme pra lá de arrastado, com uma didática defasada e um ar novelesco, mas que ainda assim procurava evocar os valores de ser americano em meio a um importante tema. Enquanto críticos e fãs clamam pela volta do diretor ao gênero da aventura, em “Ponte dos Espiões” Spielberg prova que tem muito a mostrar e até ensinar enquanto conta mais um episódio da História dos Estados Unidos em plena Guerra Fria.

CineOrna | Ponte dos Espiões - PÔSTER

Planos longos, atuações silenciosas e uma quase ausência de trilha sonora, incluindo aí até uma montagem intelectual. Quem diria que um dos pioneiros do “cinemão hollywoodiano” apresentaria características típicas de um clássico filme europeu? Acontece que Steven Spielberg sempre se mostrou perspicaz na realização de seus filmes e sua decupagem, por mais clássica e acessível que aparente ser, sempre trouxe inovações sutis até mesmo em suas obras mais populares.

Diante de toda essa explicação, fica óbvio que a sequência inicial de “Ponte de Espiões“, com roteiro escrito por Matt Charman e pelos irmãos Ethan e Joel Coen, seria distinta e até pacata comparada com outros filmes de espionagem. Rudolf Abel (Mark Rylance), o suposto agente soviético que move a trama, é um sujeito tranquilo e morador do Brooklyn, de semblante bondoso e que pinta paisagens e retratos como hobbie. Nada a ver com a estereotipada caracterização semidemoníaca que os primeiros filmes de 007 costumavam retratar os agentes (e vilões) soviéticos.

CineOrna | Ponte dos Espiões - FOTO

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 Enquanto Abel era detido por agentes americanos, do outro lado do Atlântico, o piloto Francis Gary Powers (Austin Stowell) é detido pelos soviéticos após um “acidente” envolvendo a U-2, a notória aeronave com a capacidade de fotografar terrenos “estratégicos”. Com toda a paranoia dos boatos de uma guerra nuclear geradas pelo jornalismo e, assim por diante, pela especulação popular, o advogado James B. Donovan (Tom Hanks) é convocado para defender a causa de Abel em tempo onde o povo clamava pelo enforcamento dos comunas (uma tradição que persiste…). Donovan, no entanto, é um pai de família respeitoso e que acredita nos valores humanos da Constituição, mais como um resultado do esforço braçal que os imigrantes trouxeram quando foram para a America e assim permitiram o desenvolvimento do país. Abraçando fatos históricos ao mesmo tempo em que põe a família em risco, além de receber caras feias no metrô, o advogado fará de tudo para livrar seu cliente de uma pena cruel e ainda evitar o estopim de uma nova guerra mundial.

O problema, no entanto e como sempre, reside na burocracia. Assim como o piloto Powers, um estudante de Economia é retido. Ambos são mantidos por governos diferentes (RDA e URSS) e Donovan precisa lidar com as meias-informações cedidas pelo advogado da suposta família de Abel e a falta de complacência, tanto dos agentes americanos que acompanham o advogado na “missão” de resgate, querendo apenas o oficial da aeronáutica, e os dirigentes do outro lado do Muro de Berlim (recém-construído) se mostrando mais preocupados com o nada do que atender aquele que está ali por boas causas. Um homem persistente, nas palavras de Rudolf Abel.

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Nas andanças de Donovan debaixo do rigoroso inverno europeu, percebe-se o cuidado no design de produção em mostrar os dois lados de Berlim castigada por uma forte tempestade de neve. Enquanto Nova York é apresentada com cores vivas em um clima ensolarado, mais do que uma clara alusão ao progresso, o lado ocidental da Alemanha ainda traz o conforto (e uma bandeira americana), algo restrito aos moradores da RDA, que vivem em condições precárias e ainda precisam acatar a ordem russa de não reconstruir seus prédios avariados desde o final da Segunda Guerra, ironicamente derrubados pelos mesmos que impuseram tal ordem. Por onde passa, a câmera de Janusz Kaminski procura fazer esse breve, porém marcante, registro socioeconômico. O ponto fraco da produção mesmo fica por conta da trilha sonora de Thomas Newman que, na tentativa de reforçar as cenas com humor sutil, traz uma comicidade piegas (vide a cena de Donovan fugindo de um agente embaixo de chuva) enquanto torna outras passagens forçadamente melancólicas.

Não é surpresa que Tom Hanks, mais uma vez, entrega um personagem carismático, íntegro, ao passo em que pode parecer mais um típico e patriótico bom-moço americano numa leitura superficial. Hoje, quem sabe, com lados políticos cada vez mais despóticos e reacionários, Spielberg parece apontar que talvez precisamos de um bom-mocismo assim, desses que ainda se encontram num povo honesto.

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