Propagação do Pensamento Ideológico!

Há muito além da corrupção, do mecanismo, da justiça e da lei. Após lançamento da nova série da Netflix (segunda produção brasileira), foi possível identificar que existe o “câncer” em muito mais do que só a política. A repercussão da produção mostra como o pensamento político da população brasileira continua sendo um de nossos muitos canceres. Seja de direita ou esquerda, o modo como a série acabou por ser recebida é apenas um pequeno reflexo da situação que nosso país irá ter em um futuro muito próximo. Ódio, raiva e muita polêmica foram disseminadas nas últimas semanas, desde o lançamento da série, textos e mais textos estão sendo publicados, sejam de repúdio ou de elogios. O extremismo já havia tomado conta do pensamento político brasileiro, e quando o mesmo veio em forma de um programa televisivo, com oito episódios em um serviço de grande propagação midiática, as coisas pioraram ainda mais.

Os comentários referentes a “O Mecanismo” vêm como uma forma de mostrar como política ainda é, o maior e mais polêmico assunto dentro da nossa sociedade, até mesmo uma série que não tem um teor político tão disseminador pode causar uma repercussão como essa, e sim, a série não é tão política quanto parece, ou quanto falam. Representar certos personagens de certas formas não é disseminação ou doutrinação, é sim uma questão de tomada de opinião, cabe apenas aos envolvidos ver o quanto a história os afetou e talvez o quanto disso pode ser prejudicial a sua imagem.

O Mecanismo” conta a história por trás de como foi iniciada e executada a tão conhecida Operação Lava Jato, seus integrantes, tramas e apreensões. Ao contar uma história como essa se torna, no mínimo, complicado não tomar posições, muitas opiniões são articuladas todos os dias em relação a operação, em relação a seus envolvidos e ao modo como a mesma está sendo controlada. É nesse ponto que a série poderia vir como um alivio, ou talvez um meio de “agradar” a todos, “O Mecanismo” busca por mostrar que todos os envolvidos têm pecados a pagar, todos são culpados e errados, sem ressalvas. Só que é nesse ponto que a série comete seus erros, ao criar uma crítica que geral sobre a operação, muitas de suas conclusões acabam sendo generalistas e vindas de um grande senso comum, que acabaram por ferir muitos envolvidos na história real. Antes mesmo de iniciar, uma tela preta avisa que a produção é ficção, mas ao final do episódio, se revela que a série é baseada em um livro conhecido sobre a produção, o que acaba por tirar um pouco de seu valor ficcional e mostrar os verdadeiros valores por trás da roteirista e dos criadores da série Elena Soarez e José Padilha.

Posições a parte e críticas de lado, “O Mecanismo” é uma série que não tem tudo que sua polêmica transmite, ela contém bons produtos técnicos, mas peca em seu roteiro por conta de suas irregularidades narrativas. Muito rápida e muito lenta, os episódios não sabem qual ritmo tomar para contar a história, tornando as tramas ou muito didáticas ou não. E é nesse ponto que a situação se complica, o excesso de explicações julga o pensamento crítico de seus espectadores, e certos cortes narrativos ou de diálogos acabam por tornar o entendimento muito difícil, mostrando um certo equívoco para a roteirista com seu público, ela ou explica demais, ou omite demais, deixando no escuro quem assiste em relação a sua participação na construção da trama como um todo. Diálogos exagerados e altamente expositivos tornam a produção estereotipada e digna do folhetim das nove em muitos momentos, contendo até frases dignas de subtítulo de pôsteres cinematográficos.

A fraca composição de diálogos afeta a construção de seus personagens, que pobre, consegue ser salva pelo majestoso trabalho de seus atores, que carregam ao máximo a série durante o que são longos oito episódios de uma recheada temporada de conteúdos excessivos e controversos. A construção de tramas sofre muito por conta da didática excessiva, ou a falta dela, o ritmo acelerado afeta demais os núcleos, que se tornam estereótipos e clichês em muitos momentos. Tempo é perdido com histórias que não deveriam ser contadas e que poderiam muito bem ser omitidas, como romances conflituosos, tramas familiares exageradas, e exposições a beira do ridículo para certos personagens (o super bom moço Paulo Rigo).

Em meio a tantos erros narrativos, um elemento bom se destaca, e isso é um ponto que merece e muito ser destacado em relação a história de Soares, a roteirista consegue deixar tudo isso, esses erros, como produtos que trazem entretenimento, por mais que não as vezes não entendemos o que acontece, ou entendemos demais, toda a jornada da série é divertida, e traz uma vontade de ver e descobrir mais sobre a história, algo muito complicado, visto a seriedade do assunto que a mesma aborda. A vitória de “O Mecanismo” vem em frente as câmeras, seus atores entregam personagens verossímeis e altamente criveis meio a situação de suas vivências. Dentre os destaques, podem ser citados o veterano Enrique Diaz que cria um vilão que invejaria Hollywood, e Carolina Abras que cria uma heroína sem a estratificação de clichês por trás personagem feminina forte, e daquela que também é uma policial. Selton Mello entrega ótimos momentos, mas que as vezes se torna irritante e exagerado demais, podendo ser apenas reflexos de seu protagonista complicado e altamente perturbado.

Mesmo com uma construção conflituosa de seus personagens, seus atores conseguem sobressair as fraquezas narrativas, e o elenco de apoio não deixa nada a desejar. Dentro dos aspectos visuais a série impressiona, locações realistas, fotografia moderna e muito sofisticada aliadas a direções concisas e muito bem construídas acabam por trazer um padrão visual muito bem feito e agradável ao olhar, certas filmagens agradam a visão, e o excesso de filmagens externas incomoda demais, ainda mais chegando ao final da temporada. A trilha sonora é outro fato realmente agradável, com sonoridades sóbrias e altamente dramáticas, a jornada se torna mais intrigante com seus sons bem compostos e executados.

De volta a política!

O modo como Padilha e Soares retratam seus políticos é controversa, todos são vilões, todos são malvados e muitos julgamentos são realizados sem a existência de provas, mas a criação de uma opinião em relação a figuras públicas não gera a necessidade de um boicote a série. As situações são ficções baseadas na realidade que chegam ao espectador construídas com o ponto de vista de seus idealizadores. O que a série faz é dar uma visão a um assunto que ainda não havia sido retratado nesse meio artístico, ou seja, existe uma opinião sendo exposta ali, não existe uma doutrinação, os criadores e artistas por trás da série não obrigam seus espectadores a acreditarem, apoiarem ou sequer gostarem do modo como esses eventos são retratados, eles apenas buscam trazer para aquele que assiste uma forma de ver essa situação como um todo. Lembrando que todos aqueles que promovem boicote a uma expressão artística são os mesmos que promoveriam censura se tivessem poder em suas mãos. “O Mecanismo” vem para trazer polêmica e questionamentos sobre o assunto e seus envolvidos, e a forma como muitos estão vendo a situação mostra como ainda temos muito a andar e criar sobre nossa criação de pensamento e expressão de nossas opiniões, muitos equívocos se criam e muitas pessoas são culpadas por nada terem feito.

O Mecanismo” é uma série de entretenimento mediano, que contém boas questões técnicas e um sólido elenco que salva sua trama de suas muitas armadilhas e erros narrativos. E que com seu alto nível de crítica politica pode não agradar a todos aqueles que assistem.

6/10: Mediana.

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