Este artigo estava no meu bloco de notas há muito tempo. Porém, uma manchete do Metrópoles na semana passada me deu aquele impulso para finalmente finalizá-lo. A manchete era: “Com aumento no preço dos streamings, locadoras voltam à moda em SP”. Claro que, ao ler essa matéria, minha cabeça ferveu com pensamentos e análises, e tive que vir correndo para o meu bloco de notas para elaborar um pouco mais meu artigo já iniciado.
Lembro-me perfeitamente da minha primeira vez no cinema, em junho de 1993. Recordo-me do cheiro da sala do CineLido, localizado no Centro de Curitiba. Sentei ao lado da minha mãe, com meu pai e minhas irmãs do outro lado. O cinema ficou escuro, aquela música começou, vi o globo terrestre e a palavra UNIVERSAL surgindo por detrás da Terra. O filme era “Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros”. Aquela sessão me marcou para sempre: fiquei impressionado, fui transportado para outro mundo, senti medo, animação, euforia e tantas outras sensações que só aquela experiência poderia oferecer.
Muitos podem pensar que esse foi o ponto principal para a minha vida se entrelaçar com o mundo cinematográfico, e não estão totalmente errados. Com certeza, essa ida ao cinema para assistir “Jurassic Park” fez toda a diferença na educação cinematográfica daquele menino da ‘cidade pequena’ (eu não morava em Curitiba). Foi marcante e muito importante, porém não foi a única.
A verdade é que, pensando agora, muitos anos depois, foram as vídeo locadoras as responsáveis por aguçar e aperfeiçoar minha cultura e educação cinematográfica.
Naquela época, até 1999, morava em uma cidade do interior do Paraná. Não havia uma sala de cinema por perto, pelo menos não em um raio de 115 km. Já as locadoras estavam em todas as cidades da região, incluindo na minha. Da minha casa até a porta da locadora eram menos de 2 km.
Foi na locadora que assisti muitos clássicos da Disney. Clássicos do tempo de Walt Disney, aqueles supervisionados por ele e realizados pelo time de animadores conhecidos como os Disney’s Nine Old Men (Os Nove Anciões Disney), como “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Pinóquio”, “Fantasia” e “Peter Pan”. Foi através da locadora que também tive acesso aos novos clássicos da Disney, aqueles do início da Era da Renascença Disney, como “A Pequena Sereia”, “A Bela e a Fera” e “O Rei Leão”.
Outros VHSs que começaram a aparecer em casa, muito graças às escolhas das minhas irmãs, eram os filmes adolescentes como “Abracadabra”, “Convenção das Bruxas”, “Uma Linda Mulher”, “A Família Buscapé” e, claro, “Pânico”, entre outros. Pelas escolhas dos meus pais, assisti “Velocidade Máxima”, “Twister”, “Independence Day”, “Missão: Impossível”, entre tantos outros.
A vida me trouxe para Curitiba em 1999, e a partir daí consegui ter uma vida bem mais ativa no cinema. Não que antes não tivesse, pois assisti muitos outros filmes que me marcaram no cinema. Entendo o meu privilégio de, sempre que possível, durante as férias viajar para a capital e ir ao cinema assistir a algum filme, como “O Noviço Rebelde”, “Zoando na TV”, “Mr. Bean: O Filme”, “Tempestade”, “Eu Ainda Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado”, “Titanic” e claro “Pânico 2”, mas era na vídeo locadora que eu tinha acesso ao mundo cinematográfico, aos filmes clássicos, às comédias românticas e aos dramas e suspenses.
Essa paixão foi tanta que, em 2003, com 14 anos, comecei a trabalhar na J.E. Vídeo, a locadora do bairro, cuja dona era minha vizinha. Não considerava trabalho, considerava uma diversão: trocar os pôsteres dos filmes e receber os novos títulos eram as minhas maiores realizações. Trabalhava de segunda a sexta, das 14h às 18h. Era o paraíso. Fiquei trabalhando lá até 2006. Quando saí, a locadora possuía mais de 5.000 títulos em VHSs e DVDs. Foi nesse período que comecei a ter mais conhecimento sobre esse mercado, não o mercado da produção cinematográfica, mas sim o mercado da distribuição, da exibição e do marketing cinematográfico. Essa experiência confirmou minha tendência em ir para a área da comunicação, marketing e cinema.
Agora, se uma vídeo locadora de bairro possuía de 3.000 a 6.000 títulos, imagine as grandes locadoras, como a Cartoon e a Blockbuster. Em Curitiba, duas grandes locadoras independentes, a Hiper Vídeo, contavam com um acervo de mais de 18 mil títulos, enquanto a Dinamarca passou dos 10 mil títulos. Era muita opção aos clientes!
Quantos filmes estão disponíveis hoje nos streamings? Quantos streamings precisamos assinar para ter um catálogo que era disponível em uma pequena vídeo locadora de bairro? Segundo dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual – OCA da Agência Nacional do Cinema – ANCINE, a Netflix possui um acervo de 6.740 títulos, a Amazon Prime Video, 6.432 títulos, ou seja, seria necessário desembolsar mais de R$ 65,00 para ter acesso a um catálogo menor do que a Hiper Vídeo disponibilizava aos seus clientes.
Meu lado profissional de marketing aplaude a evolução tecnológica e a mudança desse mercado. Meu lado nostálgico chora pelo fim desses lugares tão mágicos e incríveis. Meu lado cineasta fica apreensivo e angustiado, pensando quantas mentes criativas estamos perdendo por não serem apresentadas, ou por não terem a oportunidade de conhecer as obras clássicas ou até mesmo aqueles filmes ruins, e assim aperfeiçoar e aguçar ainda mais sua cultura cinematográfica.
O que mais perdemos foi a troca entre as pessoas, aquela conversa de locadora para ter uma indicação se o filme vale a pena ou não. O que se perde é o toque da caixa do VHS, DVD ou BluRay, as informações contidas na capa e na sinopse do filme que está ali na sua mão. Acredito que ambos devem e podem existir, co-existir, mas a extinção da mídia física e das vídeo locadoras só faz com que percamos a possibilidade de aguçar, desenvolver nossa cultura cinematográfica e despertar em novos indivíduos a beleza da arte da crítica cinematográfica ou até mesmo da arte de se fazer cinema.