A força da imagem em movimento como veículo de comunicação de massa para propagação de ideias políticas foi identificada e explorada maciçamente desde os tempos do regime nazista. E até hoje ela é usada pelos governantes como um aparato para a reconstrução de uma nova imagem, esta formada pela percepção da população sobre determinada pessoa ou assunto.
Em “No“, novo filme de Pablo Larraín, este artifício centraliza as principais discussões da narrativa, que tem como cenário os preparativos para o plebiscito ocorrido em 1988, no Chile, que decidiu se o ditador Augusto Pinochet permaneceria no poder por mais oito anos. Esta preocupação do diretor pode ser notada visualmente já na escolha por realizar toda a produção com câmeras U-Matic, as mesmas que eram utilizadas nas campanhas publicitárias da época. Embora arriscada, pois reduz muito a definição das gravações, a opção se mostrou acertada por trazer um ar documental à produção, já que imagens de arquivo e de ficção passam a parecer uma coisa só (como a campanha do “No”, que não foi reencenada), facilitando a imersão do espectador na história, criando uma ilusão.
Mas não só na forma de filmar, como também no próprio conteúdo do filme, começando pela profissão do protagonista René Saavedra (Gael Garcia Bernal). Atuando como publicitário em uma requisitada agência de Santiago, ele é convidado a fazer parte da equipe que formulará a campanha do Não à continuidade de Pinochet no poder, e passa a utilizar a mesma lógica com a qual fazia propagandas de refrigerantes para tentar tornar mais “vendável” aos eleitores o voto contra as pretensões do ditador. Foi sua dura insistência por um tom harmonioso e feliz dos vídeos que levou o Não à vitória, pois de nada adiantaria evidenciar o medo para uma população que já convivia com o sentimento. Sem hipocrisias, este protagonista realiza a surreal função de tornar vendável uma mensagem política esquerdista, mantendo sempre sua personalidade, sem se desviar dos conceitos capitalistas publicitários que lhe eram inerentes.
O Sim e o Não teriam campanhas eleitorais na TV de 15 minutos cada. Mas as propostas do filme não param por aí. A ideia primordial de Larraín foi realizar uma reconstrução histórica do acontecimento, homenageando todos os envolvidos na campanha do Não, e obviamente condenando os do Sim. Seguindo então este propósito, o resultado alcançado foi magnífico, pois, além de se utilizar de imagens reais das campanhas, ele convocou pessoas que realmente participaram dos vídeos – enquanto na ficção os mesmos estão envelhecidos, nos vídeos originais os vemos jovens, uma licença poética de méritos incalculáveis. Atenciosamente, o diretor realizou uma espécie de bastidores das peças que foram ao ar, reproduzindo as filmagens das cenas que as compunham.
“No” explora também todos os problemas enfrentados pela equipe “comunista”. Os artifícios de intimidação perpetrados pelo governo eram constantes, e culminavam em injustiças revoltantes. Os membros da equipe eram seguidos, seus vídeos eram analisados pela direita antes de irem ao ar (e censurados pelos mesmos), eles e suas famílias eram ameaçados. Um terror que a pelo menos os publicitários não estavam acostumados, pois faziam parte da parcela privilegiada da população, e entraram nesta missão cheios de receios.
A análise da queda de um regime despótico toca, por motivos diversos, fundo a todos os latino-americanos. O próprio diretor, Larraín, vem navegando já há alguns anos no tema da política do nosso continente, a exemplo de seus outros projetos, como “Tony Manero” (2008) e “Post Mortem” (2010), porém, é em “No” que ele e o cinema chileno atingem o ponto alto de vigor técnico, frescor estilístico e criatividade.
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